O presente artigo tem como finalidade apresentar o desafio que a teologia pastoral enfrentou no século XX com a influência do iluminismo materialista definindo o modus operandi da abordagem ao problema do homem e seus desafios em lidar com suas emoções e atitudes desde o início do século até meados da metade do século. Assim como apresentar como o pastor Jay Adams contribuiu para o retorno das Escrituras na orientação de corações que sofrem com algum nível de tribulação. Adams resgatou a herança pastoral do cuidado das ovelhas a partir da suficiência das Escrituras e seu poder transformador, movimento que por ele foi denominado Aconselhamento Bíblico Noutético.

Introdução

Entre os anos de 1859 a 1950 o meio pastoral enveredou por um caminho humanista para pastorear pessoas em seus dilemas. Influenciados por teóricos das psicologias que ganhavam espaço no ambiente acadêmico e clínico e pela hermenêutica liberal que tanto adentrou nos seminários de formação teológica, líderes e pastores transformaram a herança reformada e puritana de cuidado da alma a partir das Escrituras para um emaranhado de técnicas e abordagens com pressupostos antropológicos totalmente humanistas.

Durante décadas, gabinetes pastorais foram violentados por conselheiros que utilizavam teorias psicologizadas para direcionar pessoas em suas decisões e compreensões das coisas ao seu redor. A Bíblia fora rebaixada à categoria de um livro meramente religioso sem muita relevância para a vida diária e que não traria respostas aplicáveis aos problemas do homem moderno.

Alimentados pelas novas teorias psicologizadas sobre o homem e a resolução de seus conflitos pastores passaram a delegar o cuidado e o pastoreio do coração de suas ovelhas a psicólogos e terapeutas. Em pouco tempo, a pregação da Palavra passou a algo meramente abstrato, sem aplicabilidade nos dilemas comuns da vida cotidiana. O pastor passou a ser apenas um orador que semanalmente ensinava assuntos religiosos que em quase nada eram efetivos diante dos desafios de uma sociedade em transformação.

A inquietação de Adams ao perceber, como excelente professor de oratória e pregação no Westminster Seminary, que seus alunos e colegas pastores não tinham respostas bíblicas práticas quando suas ovelhas compartilhavam problemas profundos de suas almas o levou a dedicar-se no estudo acurado sobre a suficiência da Escritura e seu poder transformador no cuidado das pessoas. Surgiu então uma “reforma” na teologia pastoral em pleno século XX e um movimento de resgate para que pastores munidos da Escrituras retomassem o cuidado de suas ovelhas ao invés de entrega-los nas garras de lobos vorazes em seu apetite humanista religiosamente praticantes de conceitos psicológicos. Adams iniciou então o movimento denominado “Aconselhamento Bíblico Noutético”.

O século xx e seus desafios para o aconselhamento bíblico

O início dos anos 1900 com todo o espírito de mudanças e inovações na indústria, filosofia, economia e sociedade cooperou para uma hermenêutica na percepção teológica de que a chave para desvendar os mistérios e desafios do comportamento e da alma humana estavam “dentro do próprio homem.” William James e E.D. Starbuck desencadearam e popularizaram, motivados por esse espírito humanista o movimento da Psicologia da Religião.

Os escritos e ensinamentos de Freud também ganharam notoriedade na emergente sociedade psicologizada do ocidente e despertaram a curiosidade entre acadêmicos e estudiosos no início do século. Sua metapsicologia e seu conceito da estrutura da psiquê (Id, Ego e Superego) tornaram-se atrativas para que pastores e teólogos construíssem uma teoria conjunta entre psicologia e teologia. Décadas mais tarde, a psicologia de Carl Roger de aceitação positiva incondicional moldou drasticamente a prática do aconselhamento pastoral na América do Norte e se expandiu pelo mundo.

O fruto desse crescente interesse por uma fusão entre os saberes da teologia ministerial do aconselhamento cristão e a psicologia foi o surgimento do movimento Integracionista. Uma “escola” de aconselhamento que reivindicava a interação e a aplicação das práticas e conteúdos psicoterapêuticos à fé e interpretação bíblica no cuidado de cristãos em seus problemas.

Os Integracionistas, em suma, reivindicam uma abordagem “bíblica” misturadas ao conteúdo e prática das psicoterapias seculares enaltecendo assim, uma “psicologização” do aconselhamento bíblico, dando mais ênfases às interpretações seculares sobre o ser humano e suas demandas do que um olhar bíblico sobre a antropologia. Seu propósito, então, ao invés de enaltecer a Escritura e sua suficiência é rebaixa-la ao patamar do humano (pensamento liberal) e divinizar a psicologia enlaçando-a ao conteúdo da fé cristã.

HINDSON & EYRICH (2018) dedicam algumas páginas no livro “Nada Além das Escrituras: O Aconselhamento e a Palavra de Deus” apresentando um breve histórico do movimento integracionista em 3 fases.

Inicialmente, houve a fase preliminar, que veio desde a década de 1950 até o final da década de 1960. […] A fundação da Fuller Graduate School of Psychology, em meados da década de 1960, foi o ponto culminante dessa fase inicial.

A segunda fase foi a fase de profissionalização. Nos 25 anos seguintes – em parte como reação às críticas de Jay Adams – o movimento integracionista consolidou-se intelectual e institucionalmente. […] Entre os líderes do movimento integracionista, destacam-se: Clyde Narramore, H. Newton Maloney, Paul Tournier, Bruce Narramore, John Carter, Harold Ellens, Gary Collins, Frank Minirth, Paul Meier, James Dobson, Vernon Grounds, David Seamands, Robert Schuller, David Benner e Robert McGee.

Mais recentemente, o movimento integracionista entrou em uma terceira fase: a popularização. Em meados dos anos 80, o pensamento integracionista atravessou as fronteiras das instituições educacionais e da psicoterapia profissional. A psicologia popular entrou nas igrejas evangélicas por meio do movimento de recuperação, que popularizou termos como codependentes, adultos infantis, famílias disfuncionais, 12 passos, grupos de apoio e cura de memórias. Com frequência crescente o púlpito, os membros da igreja e as editoras cristãs passaram a falar a mesma linguagem psicológica em suas tentativas de explicar a experiência humana e resolver os problemas da vida.[2]

Percebe-se, portanto, que o Integracionismo, como uma abordagem metodológica para o aconselhamento, emergiu e ganhou espaço em duas dimensões complementares que alcançaram um terreno fértil para um público cada vez mais interessado em respostas humanistas para seus dilemas.

Uma primeira dimensão era o enorme crescimento da psicologia secular cuja orientação teórica e metodológica era nutrida por desenvolvedores de teorias pioneiras e altamente experimentais pelos programas mais conceituadas universidades e patrocinadas pelas instituições de saúde pública, editoras e investidores.

A segunda dimensão estava na aproximação metodológica do trabalho pastoral de aconselhamento e aquilo que era feito nos consultórios de psicologia. Ambos buscavam a “cura da alma”, entretanto, diante de bilionários investimentos financeiros, o campo da psicologia parecia ser mais “profissional” em seus métodos e pesquisas, fazendo dos psiquiatras e psicólogos verdadeiros oráculos sobre a alma humana e seus dilemas. Todos os que queriam aprender sobre aconselhamento, frequentar grupos de conselheiros ou aconselhar se viam tentados a beber dessa fonte.

Como bem afirmou o pr. David Powlison em MACARTHUR (2016):

A psicologia secular dominava o aconselhamento, definindo o discurso sobre as pessoas e seus problemas. As ciências sociais, comportamentais e médicas conquistaram um enorme poder social, prestígio intelectual e autoconfiança. Os principais psicólogos e psiquiatras eram pessoas seculares que queriam ajudar outras pessoas seculares. Não surpreende, portanto, que eles ofereciam uma religião substituta, pois os problemas com os quais lidavam eram de natureza fundamentalmente religiosa.[3]

Durante algumas décadas do século XX as psicologias continuaram a invadir mais e mais os gabinetes, as salas de aulas dos seminários e as conversas pastorais fortalecendo assim o híbrido disfuncional de aconselhamento terapêutico que apenas passava pela Bíblia, mas usando as lentes da teologia liberal. Nomes como Anton Boisen, Gary Collins, Newton Malony, Wayne Oates, já mencionados anteriormente, foram fundamentais para o crescimento do pensamento integracionista e apenas na década de 1970, com as publicações e pensamentos de Jay Adams, o aconselhamento passou a olhar para a Bíblia e se satisfazer nela. O aconselhamento cristão deixou de ser meramente psicológico e agora passaria a ser Aconselhamento Bíblico fundamentado basicamente na competência bíblica em seus atributos de suficiência, autoridade, inerrância, santidade e infalibilidade.

Esse “novo” modelo de aconselhamento “colocou” a Palavra de Deus para falar à vida e à alma do aconselhando, na certeza de que “a palavra de Deus é viva e eficaz, mais cortante que qualquer espada de dois gumes; penetra até o ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é capaz de perceber os pensamentos e intenções do coração” (Hb 4.12).

A disputa sobre a proficiência das emoções humanas percorreu então, um longo caminho até os dias atuais, a Psicologia de um lado, tentando firmar-se como uma disciplina científica elaborando métodos e abordagens, que na maioria das vezes divergem entre si, e do outro lado, o Aconselhamento Bíblico, não como uma disciplina científica, mas como um ministério efetivo da igreja de Cristo reforçando a suficiência das Escrituras no cuidado integral do homem.

Sobre essa tensão o Dr. Street comenta:

A psicologia é uma disciplina científica? A resposta a essa pergunta é, no melhor dos casos, discutível. Certamente existem aspectos nessa disciplina que cuidadosamente aplicam o raciocínio científico rigoroso. Mas mesmo nesses casos, as pressuposições a priori necessárias para produzir alguma relevância sensata são abertamente evolucionistas. É mais apropriado ver a psicologia como um sistema de pensamento filosófico, disseminado como visão materialista do mundo que se expressa como behaviorismo, humanismo, determinismo, existencialismo, epifenomenalismo e simples utilitarismo pragmático.

O aconselhamento bíblico também não é uma disciplina científica. Nem pretende ser, apesar de confirmar e defender a ciência médica e pesquisa biológica quando aplicadas a problemas verdadeiramente orgânicos. O aconselhamento bíblico reconhece plenamente que sua epistemologia se fundamenta e nasce de uma pressuposição teísta de um Criador que se revelou e “nos deu todas as coisas de que necessitamos para a vida e a piedade, por meio do pleno conhecimento daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude” (2Pe 1.3).[4]

Percebe-se então que a principal diferença e talvez a barreira intransponível entre o aconselhamento bíblico noutético, de um lado, e psicologia e o aconselhamento integracionista, do outro, mesmo que ditos “cristãos” é uma questão de cosmovisão.

  1. adams e o resgate da nouthesia

A partir de J. Adams o Aconselhamento Bíblico começou a ganhar novos contornos que o diferenciavam cada vez mais da perspectiva integracionista. Na realidade, o surgimento do movimento noutético do Aconselhamento causou uma abrupta ruptura de teóricos, métodos e referenciais integracionistas no tratamento das pessoas em seus problemas e dificuldades.

O termo Noutético está relacionado ao aconselhamento como uma abordagem extraída da tradução e aplicação do verbo grego noutheteo e seu correlato substantivado nouthesia. O verbo noutheteo é composto de duas partes: Nous (cuja tradução é mente) e thitemí (colocar dentro, inserir). Portanto, nouthesia pode ser traduzido, conforme suas aplicações neotestamentárias (Cl 3.16; 1Ts 5.12, 14; 1Co 10.11) por dar instruções quanto à fé e a vida correta, colocar na mente de alguém conselhos sobre suas atitudes e as consequências de seus atos, advertir, exortar ou admoestar alguém para o conserto de sua vida usando como parâmetro a Escritura e a revelação de Deus. Aconselhamento bíblico Noutético, portanto, é aconselhar alguém utilizando a Bíblia no intuito de colocar na mente do aconselhado os preceitos bíblicos que direcionarão suas atitudes e indicarão o caminho que ele deve seguir.

Jay Edward Adams (nascido em 1929), convertido ao Senhor em sua adolescência começou seus estudos teológicos no Reformed Episcopal Seminary na década de 1950. Ordenado ao ministério pastoral em 1952, pastoreou várias congregações presbiterianas. Tornou-se mestre em Teologia em 1958 e em 1969 obteve seu título de doutor em oratória na University of Missouri. Durante sua trajetória acadêmica e ministerial o conflito com as abordagens da psicologia o levou a uma inquietação sobre como contribuir biblicamente para ajudar os cristãos em seus problemas.

Após um tempo dedicado a estudar com muito afinco os principais psicólogos do século vinte, as principais obras sobre aconselhamento pastoral publicadas sob a influência de Freud e Rogers e, após concluir dois cursos renomados de aconselhamento pastoral na Temple University, Adams sentiu-se frustrado com o que havia percebido ali. Tudo parecia muito abstrato, distante, teórico e antibíblico.

Em 1963, como professor de pregação e teologia pastoral no Westminster Theological Seminary conheceu o teórico O. Hobart Mowrer e se inscreveu em seu curso sobre A Crise na Psiquiatria e na Religião, que o impulsionou ainda mais para romper com abordagem psicologizada dominante e seguir em defesa das Escrituras e sua suficiência.

Olhando para o problema do estrago do pecado em todas as instâncias da humanidade e acompanhando alguns casos em aconselhamento, Adams concluiu que “o problema é o pecado e a Bíblia tem as respostas” e em 1967, o seu pensamento sobre um aconselhamento que tivesse como base a Bíblia tornou-se um sistema e ele então cria um curso exclusivo para conselheiros bíblicos. Em 1970 ele publicou seu primeiro livro sobre o assunto “O Conselheiro Capaz”. A partir de então Adams e alguns amigos aliados à causa (John Bettler, Wayne Mack e Bob Smith) dedicaram-se exaustivamente a propagar, sistematizar e estruturar o aconselhamento bíblico noutético na igreja e no mundo acadêmico.

A intenção inicial era que a abordagem do Aconselhamento Bíblico Noutético não fosse um movimento privativo e monolítico, mas de amplo respeito às diferentes confissões de fé e das tradições eclesiásticas: reformados, fundamentalistas, evangelicais. Todos eram bem-vindos à esse resgate da ministração das Escrituras àqueles que enfrentavam problemas nas mais diversas áreas e que desejavam ouvir a sabedoria e a orientação de Deus através de sua Palavra.

Aconselhamento noutético – definições e princípios

Mas, o que seria esse Aconselhamento Bíblico Noutético? Quais suas bases e fundamentos e como ele se desenvolve?

Adams basicamente definiu o ministério de aconselhamento bíblico noutético a partir de alguns elementos basilares que serviram de base teórica e prática para o método.

Em primeiro lugar, Deus está no centro de toda mudança permanente no ser humano. Uma correta compreensão de Deus como criador, sustentador em seus atributos e obra demonstram que somente Ele e sua Palavra tem o poder de transformar o homem de forma duradoura e permanente. Sendo Deus aquele que criou o ser humano em um estado de perfeição, Ele e não psicologia tem a capacidade de conhecer profundamente e longe dos efeitos da queda o homem em seus desejos e emoções. Deus como criador conhece sua criação e como juiz e legislador de todas as coisas tem o poder de definir o que é certo e errado, dando assim norte para as atitudes, decisões, reações, emoções e escolhas humanas.

Em segundo lugar, o pecado afetou todas as dimensões da criação desajustando assim tudo o que fora criado. Essa realidade fará com que o olhar principal do conselheiro diante do sofrimento de seu aconselhado não seja limitado pela situação ou por causa de um comportamento/pensamento distorcido, mas sim, a maldição do pecado e seus efeitos sobre o ser humano integral, em seu corpo, mente, desejos e relacionamentos inter-pessoais. O aconselhamento genuinamente bíblico entende que acima das manifestações problemáticas que possam levar o indivíduo ao sofrimento ou a fazer alguém sofrer com suas ações ou reações está o problema do pecado. O real problema do ser humano é o pecado e suas manifestações em sua natureza caída.

Em terceiro lugar, a Bíblia e o Evangelho de Cristo são a verdadeira resposta para mudanças profundas e permanentes no ser humano. Apenas a Escritura Sagrada apresentará clara e consistentemente a origem de todos os problemas e conflitos que ocorrem no mundo. Longe de colocar sobre as circunstâncias ou dificuldades situacionais a causa dos problemas, a Bíblia afirma que a fonte de todo conflito está no coração do homem e na sua fábrica particular de ídolos e desejos. A santa Palavra de Deus, portanto, aprofunda-se no tratamento do problema humano confrontando-o diretamente na raiz do problema – o coração. Na obra salvadora e redentora de Cristo ele proporciona a mais completa resposta ao problema humano: a cruz do Calvário redime o pecador e dá a ele um “novo coração”. Alcançar esse nível profundo de compreensão do problema e apresentar os efeitos da obra de Cristo sobre a culpa, engano, egoísmo, ódio, escravidão em todos os níveis e outros males que permeiam a humanidade deve ser o alvo do aconselhamento bíblico noutético.

E por fim, a igreja através do ministério de aconselhamento é o lugar onde a mudança é oferecida. Diferente de um compromisso estritamente profissional motivado por questões financeiras, o aconselhamento bíblico noutético se dá no ambiente onde a Escritura é o centro orientador de todas as decisões e ações existenciais – a igreja. É no ambiente eclesiástico onde a fraternidade impulsiona aqueles que são mais maduros na fé a cuidarem e orientarem dos menos maduros. Diferente de um compromisso meramente monetário, na igreja a ajuda vem pelo desejo de ver o crescimento espiritual daqueles que fazem parte da família de fé. Em Gl 6.1 o apóstolo Paulo traz essa orientação sobre o ambiente e a forma como o aconselhamento bíblico deve acontecer na igreja. Por se tratar de um ministério da igreja local, o aconselhamento bíblico noutético oferece um olhar fraterno e cheio de amor cristão para aquele que está enfrentando problemas fazendo uso de uma abordagem centrada em Deus e sua Palavra.

Uma vez apresentados os fundamentos que incentivaram Adams a estruturar tal modalidade ministerial faz-se necessário defini-lo com mais detalhes.

O pastor Jonh Piper, contribuindo com o tema, assim define o Aconselhamento Bíblico Noutético, reforçando os pressupostos de Adams da seguinte maneira:

Aconselhamento bíblico é o uso da linguagem centrada em Deus, saturada na Bíblia e sintonizada com o emocional para ajudar as pessoas a se tornarem devotadas a Deus, exaltadoras de Cristo e que, alegremente abnegadas, amam outras pessoas.[5]

Piper apresenta uma importante característica do Aconselhamento Bíblico: sua centralidade em Deus e o compromisso em amor de usar sua Palavra como instrumento de mudança. Usando a pessoa de Deus como referência para toda proposta de conserto e “bem-estar” e a necessidade de prestação de contas diante daquele que criou todas as coisas o conselheiro caminhará em direção ao cerne de todo o problema que atinge o aconselhado indo além das questões situacionais, chegando na fonte das motivações (Pv.4.23).

Outra importante definição é a que afirma que “o aconselhamento bíblico noutético é uma comunicação bíblica inabalavelmente ancorada na autoridade da Bíblia.”[6] E que também pode ser definido como:

A totalidade do conselho de Deus oferecida de maneira sistemática, compreensível, relevante e amorosa. A totalidade do conselho de Deus – cada parte, completamente compreensível e sem contradição, totalmente distinta e pronta para encaixar em qualquer um de múltiplos cenários – verdade absoluta e amor interminável condensados em palavras, frases, pausas, perguntas e respostas.[7]

Desta forma, observa-se que o que torna o aconselhamento genuinamente bíblico é estar comprometido com aquilo que a Escritura diz, tendo Deus como fonte, caminho e destino para a solução do assunto tratado, transmitindo o conselho divino àqueles que são guiados por essa Palavra de forma direta, clara e transformadora. Não é feito apenas citando porções de textos bíblicos que se adaptam à situação do aconselhado como uma receita pronta, mas levando o aconselhado à compreensão profunda e verdadeira da Escritura para que ele possa colocá-la em prática em seu cotidiano. Portanto, é um processo que demanda estudo, paciência, dedicação e envolvimento discipulativo-pastoral.

O doutor Wayne Mack definindo aconselhamento bíblico na obra intitulada Nada além das Escrituras (2018) contribui:

Qualquer aconselhamento digno do nome “cristão” deve ser propositada e exaustivamente cristocêntrico – um aconselhamento que destaca quem e o que Cristo é, e o que Ele fez por nós em Sua vida, morte e ressurreição. O aconselhamento cristão enfatiza o que Cristo está fazendo por nós hoje, com Sua intercessão por nós à direita do Pai e o que Ele fará por nós no futuro. Também enfatiza o ministério atual do Espírito Santo na vida do crente. [8]

Observa-se, a partir do comentário do dr. Mack que o método utilizado pelo conselheiro bíblico no ato de aconselhar alguém em sofrimento é apresentar a obra de Cristo, seus efeitos e benefícios eternos, assim como a responsabilidade humana de agir em resposta a esse sacrifício. É uma tarefa de levar ao aconselhado todo o cuidado divino ofertado na cruz e também o compromisso de viver aos moldes da nova vida conquistada por Cristo para seus eleitos.  Uma das grandes marcas do aconselhamento bíblico noutético é que nele, através da Bíblia, o conselheiro apresenta Cristo e sua glória.

Ainda nas palavras do dr. Mack:

A solução das dificuldades relacionadas ao pecado pessoal requer que a pessoa seja redimida e justificada por meio de Cristo, que receba o perdão de Deus por meio de Cristo e que obtenha de Cristo a capacitação para substituir os padrões de vida não cristãos (pecaminosos) por padrões de vida cristãos (piedosos).[9]

Considerações finais

O que pôde ser compreendido até aqui é que o aconselhamento noutético tem um compromisso epistemológico com a obra de Cristo e seus efeitos e benefícios para aqueles que foram beneficiados com tal ato salvífico. Portanto, é inerente ao método noutético a figura de Cristo e o que é exigido do aconselhado em mudança de sua cosmovisão no trato das coisas cotidianas. Aconselhamento bíblico noutético, portanto, tem a vem com uma límpida e bíblica cosmovisão. Outro ponto importante a ser destacado nas palavras do dr. Mack é que no aconselhamento noutético existe uma participação do aconselhado em resposta àquilo que fora apresentado pelas Escritura. Se, conforme ele afirma, o problema só pode ser plenamente resolvido pela via da compreensão e observação dos preceitos bíblicos, é imprescindível que o aconselhado reconheça seu problema (e o(s) pecado(s)) que o colocaram nessa situação e tome uma atitude de mudança substitutiva para um novo padrão que agrade a Deus e viva de acordo com a sua Palavra. Nesse tipo de aconselhamento, tanto conselheiro e aconselhado são responsáveis pelo progresso e êxito do acompanhamento. Este dedicando-se e dependendo exclusivamente do Espírito Santo para ajudá-lo no processo, aquele sendo um instrumento nas mãos de Deus para cuidar de alguém em sofrimento. E isso responde a uma pergunta muito comum: Como aconselhar aqueles que não professam a fé em Cristo ou foram regeneradas em nova vida? A resposta direta é que para esses casos, o conselheiro deve ter como foco o evangelismo e a sensibilidade de apresentar ao aconselhado a real profundidade de seus problemas, que estão acima dos situacionais, pois se originam em sua relação com Deus e sua Lei.

Importante ainda ressaltar, sobre a modalidade do aconselhamento bíblico para crentes ou descrentes e seu foco em uma mudança centrada em Cristo e sua Palavra, as palavras de BABLER (2016):

O conselheiro bíblico deve avaliar a situação a partir da perspectiva do Reino de Deus. O evangelho de Cristo deve ser a prioridade máxima na vida do aconselhado, porque qualquer tentativa de solução que desconsidere o evangelho redentor minimizará o problema, ensinará a justiça própria e apaziguará a culpa, o que endurecerá ainda mais o coração, obscurecendo a compreensão. Sem o novo nascimento pelo Espírito, uma pessoa é incapaz de se tornar boa com relação a Deus.[10]

Com o intuito de promover tamanha mudança é necessário que o conselheiro bíblico saiba onde quer chegar no tratamento dos problemas que o aconselhado pode apresentar.

A Bíblia apresenta em textos específicos uma forma eficaz de chegar à raiz do problema e aplicar uma mudança permanente. Em outras palavras, a Bíblia indica que o conselho eficaz que gera alguma transformação deve almejar muito mais do que mudança ou controle de comportamento, mas deve chegar no coração e a partir daí aplicar o princípio do despojar/renovar/revestir para que haja, de fato, mudança, concerto e transformação genuína.

A Bíblia tem todas as respostas. Somos instrumentos nas mãos do redentor para apresentar a este mundo como o conselho de Deus trata o homem em seus mais profundos e dolorosos problemas.

[1] Pastor da Igreja Cristã Evangélica no Cohatrac. Especialista em Teologia Bíblica pelo Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper. Mestre em Ministério com ênfase em Aconselhamento Bíblico pelo SCEN. Doutorando em Ministério Pastoral pelo Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper .Casado com Meriellie Brandão, pai de Alice e Théo.

[2] HINDSON, Ed & EYRICH, Howard. Nada além das Escrituras: o Aconselhamento e a Palavra de Deus. São Paulo: NUTRA Publicações, 2018. p.96-98.

[3] POWLISON, David. Aconselhamento Bíblico em tempos recentes. In: MAcARTHUR, John. (Org.) Introdução ao Aconselhamento Bíblico: um guia de princípios e práticas para líderes, pastores e conselheiros. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2016.p.37.

[4] MAcARTHUR, 2016.p.56.

[5] PIPER, John. A glória de Deus: o alvo do aconselhamento bíblico. In: MacDONALD, James (Org.). Aconselhamento bíblico cristocêntrico. São Paulo: Batista Regular do Brasil, 2016. p.30.

[6] CLUTTERHAM, Joshua. Entendendo o Aconselhamento Bíblico. In: STREET, John D. (Org.). Homens aconselhando homens: uma abordagem bíblica das principais questões que os homens enfrentam. São Paulo: NUTRA Publicações, 2014. p.28-29.

[7] Ibid. p.34.

[8] MACK, Wayne. O que é Aconselhamento bíblico? In: HINDSON, Ed & EYRICH, Howard. (Orgs.) Nada além das Escrituras: o Aconselhamento e a Palavra de Deus. São Paulo: NUTRA Publicações, 2018. p.41.

[9] Ibid.p.41.

[10] BABLER & ELLEN, 2018. p. 92.

Madson Oliveira
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Ronival Batista Gonçalves
2 dias atrás

Conteúdo maravilhoso