Valéria Aparecida Castro e Silva Santos[1]
RESUMO
O presente artigo explana sobre o pecado da glutonaria, apresentando o seu conceito e enfatizando a delimitação semântica do termo para o consumo em excesso da comida. Apresenta a relação da glutonaria com as emoções e a idolatria do coração humano. Além de enfatizar os perigos da compulsão alimentar para a saúde física e espiritual do cristão. A presente produção busca auxílio na produção teórica de alguns autores que tratam sobre aconselhamento bíblico, sobretudo Elyse Fitzpatrick, e pretende propor a importância de glorificar a Deus e honrá-lo através dos hábitos alimentares.
Palavras-chave: Glutonaria. Hábitos alimentares. Idolatria. Compulsão alimentar. Aconselhamento bíblico.
1 INTRODUÇÃO
Os hábitos alimentares revelam bem mais que um padrão nutricional. A maneira como as pessoas se relacionam com a comida, a sensação de prazer e satisfação que o alimento proporciona podem resultar em comportamentos de descontrole e revelar a idolatria do coração humano.
A prática de buscar conforto no alimento favorito ou premiar-se com uma boa refeição após um dia difícil são demonstrações de como muitas pessoas agem para obter satisfação e senso de justiça própria. O glutão é alguém que habitualmente come em excesso, geralmente mais do que é necessário e proveitoso para o seu corpo físico e sua saúde. Pode agir assim por prazer, ansiedade ou tristeza, ou por todas estas coisas. Isso acontece porque o seu hábito de comer está associado às suas emoções e à maneira como se relaciona com o mundo.
A pessoa glutona tem hábitos que visam agradar a si mesma. Ao comer de maneira desregrada, ela é motivada a satisfazer um desejo transitório, ou ignorar uma dificuldade ao redor, concentrando-se em um prazer temporário, sem perceber que dessa forma acarretará prejuízos reais à saúde física, às emoções e desagradará a Deus, deixando de glorificá-lo em seus hábitos alimentares, contribuindo para a enfermidade do corpo.
Este artigo visa expor concepções sobre a glutonaria concentrada às emoções, e lançar mão do aconselhamento bíblico para ajudar pessoas a descortinarem a vertente do bem-estar e prazer proporcionado pela comida, mostrando que essa é uma perspectiva transitória de obtenção de paz. E que, na verdade, parar com o vício de comer excessivamente reorienta a cosmovisão para a perspectiva correta de glorificar a Deus em todos os aspectos da vida.
2 GLUTONARIA: DEFINIÇÃO BÍBLICA
A glutonaria é o termo usado para designar o ato de comer desregradamente, com excessos. Porém, a palavra não está associada apenas à comida, mas também ao excesso de álcool e orgias sexuais; práticas que levam ao nível de prazer e satisfação pessoal. Seu significado é amplo e, biblicamente, é interpretado de acordo com o contexto no qual está inserido.
No Antigo Testamento, a glutonaria está associada à falta de disciplina, alguém que não respeita as regras e negligencia os deveres; e à embriaguez, como é possível observar em Deuteronômio 21:20, o termo hebraico zalal é utilizado para fazer referência ao glutão: “e lhes dirão: Este nosso filho é rebelde e contumaz, não dá ouvidos à nossa voz, é dissoluto e beberrão.”.
Fitzpatrick[2] relata a menção ao termo glutonaria no Novo Testamento, no capítulo 7 do Evangelho de Lucas, no qual Jesus é acusado de maneira injusta de ser um glutão, por participar de refeições em algumas casas. É possível observar que Jesus gostava de estar com as pessoas; ele comia nos lares, tanto de líderes religiosos como daqueles desvalorizados socialmente. Ele comia e bebia sem, no entanto, deixar-se levar pelos pecados da glutonaria e bebedice. Além de sabermos que nosso Senhor não podia pecar, ele ensinou os seus discípulos a não se preocuparem com comida (Lc 12:23) e sempre fez a vontade de seu Pai (Jo 8:29).
De acordo com Stott[3], é notável no Novo Testamento o emprego do termo glutonaria na Carta aos Gálatas, na qual Paulo menciona uma lista de obras da carne nas áreas: sexual, religiosa, social e da alimentação. Como é possivel observar em Gl 5:19-21:
Ora, as obras da carne são conhecidas e são: prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçarias, inimizades, porfias, ciúmes, iras, discórdias, dissensões, facções, invejas, bebedices, glutonarias e coisas semelhantes a estas, a respeito das quais eu vos declaro, como ja, outrora, vos preveni, que não herdarão o reino de Deus os que tais coisas praticam.
A palavra glutonaria foi utilizada em algumas versões em português para traduzir o termo grego komos, que pode ser traduzido como “comemoração”, “orgia” ou “farra”. Segundo Louw [4], o termo descreve uma “festa que envolve ingestão irrestrita de bebidas alcoólicas, sendo acompanhada de comportamento imoral.”.
Essa palavra, originalmente, referia-se a um grupo de amigos que acompanhava um vencedor que triunfou em alguma competição desde o local dos jogos até sua casa. A partir desse sentido que o termo komos também passou a significar o comportamento degradante do homem ao promover orgias providas de todo tipo de imoralidade desenfreada.
Em Romanos 13:13, Paulo faz menção aos pecados da intemperança, que eram sancionados por várias formas pagãs de adoração: “Andemos dignamente, como em pleno dia, não em orgias e bebedices, não em impudicícias e dissoluções, não em contendas e ciúmes’’. O apóstolo exorta seus leitores a não fazerem provisão para a carne a fim de satisfazer as suas concupiscências. [5]
Nessa passagem bíblica, a palavra koite se emprega no plural no sentido de união sexual ilícita. No contexto, a palavra vem acompanhada de outras que também estão no plural e os crentes são advertidos no versículo seguinte a evitarem tais coisas.[6]
Neste artigo, faremos um recorte semântico da palavra glutonaria nos detendo ao seu significado aplicado apenas ao consumo desregrado de alimentos e sua repercussão na vida do cristão.
3 A IDOLATRIA DOS HÁBITOS ALIMENTARES
A glutonaria é também conhecida por ser o sexto dos sete pecados capitais. Da mesma forma que a avareza idolatra os bens materiais, e a luxúria idolatra o sexo, a glutonaria idolatra a comida. O pecado está no fato de que o glutão não tem nenhuma autodisciplina, vive apenas para si mesmo. A sua maneira de alimentar-se reflete o seu coração, pois o modo de comer revela a sua fé ou a sua idolatria, o quanto a sua vida está ao lado de Deus ou distante dEle. [7]
A maneira como as pessoas levam a vida considera aquilo que elas adoram em seus corações, o que se torna um ídolo em suas vidas, tomando o lugar do verdadeiro Deus. Elas vivem para isso, elas cobiçam incessantemente o prazer que o ídolo proporciona. E a tendência para ceder aos desejos vem do íntimo de cada um. A Palavra de Deus mostra claramente isto em Tiago 1: 14-16:
Cada um é tentado pela sua próoria cobiça, quando esta a atrai e seduz. Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá aluz ao pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte. Não vos enganeis, meus amados irmãos.
Segundo Fitzpatrick[8], o foco de amor e de adoração das pessoas são semelhantes; a autora relata que: “Ídolos são os pensamentos, desejos, anseios, expectativas que passamos a cultuar em lugar do verdadeiro Deus. Os ídolos nos levam a ignorar o Deus verdadeiro e a buscar o que pensamos serem as nossas necessidades.”
Os Guinness [9] atentam para o fato de que não só as pessoas acima do peso pecam pela glutonaria. Essa pode ser observada no moderno estilo de vida voltado para o fanatismo pelas dietas, superalimentos e ingestão de medicamentos. Existem muitas pessoas magras que também são dominadas por seus apetites. Os autores citam a distinção que C. S. Lewis faz entre a ‘gula do excesso’ e a ‘gula da delicadeza’. A primeira, como vimos, faz referência ao excesso no comer e está interligada a uma cultura de escassez, na qual o alimento para a maioria das pessoas é a única luxúria acessível.
Enquanto a gula da delicadeza está ligada a uma cultura de abundância, em que existe uma enorme preocupação com o alimento, sua procedência, modo de cultivo, manuseio e comércio é uma supervalorização e sofisticação do hábito. O alimento é usado como um meio para controlar a beleza externa. O apego exagerado pela abstinência de comida é uma tendência moderna, e é tão glutonaria quanto a compulsão por comer.
Elyze Fitzpatrick, em seu livro entitulado ‘Amo comer! Odeio comer!’[10], relata a idolatria de si mesmo, o amor ao prazer através da alimentação, como fica claro no seguinte trecho:
O errado não é comer apenas quando o propósito de se alimentar é simplesmente pelo prazer da experiência, da crocância, da doçura ou da temperatura em lugar de ser uma provisão de Deus. É o coração que diz: “Eu sei que isso é mais do que eu necessito, e estou me prejudicando ao comê-lo, mas… eu amo mais esta sensação de prazer do que amo fazer o que agrada ao Senhor, então vou em frente; vou me saciar.
Como observamos nas afirmações anteriores, os nossos hábitos alimentares refletem a idolatria do nosso coração. Se existe um forte desejo por algo que não seja adorar a Deus e glorificá-lo, a ponto desse desejo controlar a sua mente e você obter contentamento apenas nesse objeto de amor, esse desejo revela que sua vida será uma busca incessante por prazeres transitórios e passageiros, ao ponto em que todos os seus esforços buscarão a satisfação do ídolo, e isso o escravizará e o tornará preso ao objeto desejado.
O ato de comer age como um comportamento compensatório na vida, e esse comportamento cresce cada vez mais, fazendo a pessoa com compulsão alimentar consumir e consumir, gastando a sua vitalidade comendo por impulso, tentando compensar algum aspecto da vida. E a questão crucial deste deus é que ele tem uma fome incapaz de ser saciada, então o glutão jamais estará satisfeito, e mesmo assim viverá pela busca da autosatisfação. Quanto mais alimentado for, mais fome ele terá e mais ele se fortalecerá.
Jesus ao ensinar que: “Bem-aventurados aqueles que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos” (Mt 5:6) orienta que somente Nele haverá suprema felicidade e satisfação. Num sentido amplo, a fome pela justiça se refere à doutrina que trata do modo como o homem pode alcançar um estado de vida aprovada, uma vida de integridade, pureza, justiça de pensamento, sentimento e ação. O resultado desta busca traz bons frutos. A busca pela presença de Deus trará plenitude de alegria e na sua destra, delícias perpétuas (Sl16.11).
4 NÃO MATARÁS O TEU CORPO
Em um primeiro momento é difícil perceber a relação entre o mandamento ‘não matarás’ (Ex 20:13) e a glutonaria. Pois a possibilidade de assassinar alguém é uma das primeiras ideias sobre o sexto mandamento e a maioria de nós está longe desta realidade. No entanto, o Catecismo Maior de Westminster mostra que temos a incumbência de cuidar da nossa vida e protegê-la, tomar cuidado tanto com o excesso quanto com a privação de comida. [11]
Todos devem olhar para o próprio corpo como um presente de Deus, no qual Ele mesmo habita através do seu Santo Espírito (I Co 6: 19). No Catecismo Maior de Westminster observamos algumas obrigações, a saber:
todo empenho cuidadoso e todos os esforços legítimos para a preservação de nossa vida e a de outros, resistindo a todos os pensamentos e propósitos, subjugando todas as paixões, e evitando todas as ocasiões, tentações e práticas que tendem a tirar injustamente a vida de alguém; por meio de justa defesa dela contra a violência; […] uso sóbrio da comida, bebida, remédios, sono, trabalho e recreios.[12]
Um estilo de vida equilibrado não é algo muito difícil de conseguir alcançar, como por exemplo: separar um tempo para o descanso, evitar os excessos alimentares, fazer uso de medicações conforme prescrição etc. Todavia, até pessoas com doenças crônicas, que exigem cuidados especiais, não conseguem realizar o tratamento de maneira correta por causa da glutonaria. São as medidas simples do dia a dia que revelam as nossas prioridades e, com essas, a nossa maneira de adoração.
Hábitos de vida saudáveis são a base para o tratamento de doenças crônicas, como a ciência tem nos mostrado. Os elementos fundamentais são: manter uma alimentação adequada e atividade física regular, evitar os vícios do fumo e álcool, e estabelecer metas de controle de peso.[13]
Alguns cristãos desprezam a saúde do seu próprio corpo e acreditam que o assunto não tem relação com a obra de Cristo. Buscam a piedade em detrimento do aspecto físico, olhando para a própria saúde como uma carne que já está corrompida pelo pecado, justificando assim o seu desrespeito à própria saúde física, que é importante na caminhada cristã.
Cuidar do nosso corpo é um ato de respeito e amor para com Deus. E visando a volta gloriosa de Cristo, eis o que a Palavra nos diz em 1 Ts 5, 23: “E o mesmo DEUS de paz vos santifique em tudo: e todo o vosso espírito, e alma e corpo, sejam plenamente conservados, irrepreensíveis para a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo“. Assim, o nosso corpo tem grande valor para Deus. Com isso, podemos inferir que tratar mal o nosso corpo com hábitos alimentares errados, consumo de bebidas alcóolicas, cigarro, drogas, imoralidades, prostituição, sedentarismo etc. são maneiras de desrespeitar o nosso Criador.
Negligenciar tais aspectos da vida cristã é negar o sacrifício e obra redentiva de Cristo, que nos deu vida plena e abundante. E essa nova vida já pode ser experimentada, mesmo que de uma maneira limitada, aqui na terra.
O nosso estilo de vida deve ser equilibrado e prudente, a fim de preservar a nossa saúde, entretanto esse não deve ser o principal foco das nossas vidas, mas a glorificação de Deus através de nós.
5 PECADO ESCRAVIZADOR
Atualmente, existem três tipos de comportamentos alimentares destrutivos conhecidos: bulimia, anorexia e comer compulsivamente. Esses são termos usados cientificamente, rótulos que expressam sintomas utilizados na comunidade médica, para descrever atitudes e comportamentos que dominam a vida. Se alguém diz: ‘eu tenho bulimia’ ao invés de dizer ‘eu pratico um comportamento bulímico’ essa pessoa é encorajada a falar sobre isto como se esse hábito fosse algo totalmente fora de seu controle, é como dizer ‘eu tenho diabetes’. [14]
Rotular os comportamentos como doenças tira a responsabilidade das pessoas contra o que estão lutando, usar os rótulos produz criadores de desculpas. A Bíblia ensina que somos responsáveis pelos nossos comportamentos, sendo salutar conseguir identificar e diferenciar os problemas causados por nossos pensamentos dos problemas que envolvem outros fatores.[15]
Existe algo em comum aos três comportamentos alimentares citados anteriormente: um desajuste na relação com a comida. No entanto, nos deteremos à alimentação compulsiva e sua relação com as emoções; mas é interessante ressaltar que essa ligação pode ser aplicada aos demais comportamentos alimentares.
De acordo com Elyze Fitzpatrick, a alimentação compulsiva:
é a prática de se comer em excesso habitualmente quando não há fome, uma ‘perda de controle’ quando se está perto da comida, comer enormes quantidades de alimento sem realmente sentir o sabor ou desfrutar dele, normalmente como quando está emocionalmente triste, ou come pensando em compensar algo.[16]
Para a pessoa que come de maneira compulsiva, mover-se em direção à comida torna-se o modo como ela lida com os melhores e os piores momentos da vida. Para a pessoa com compulsão alimentar, o comer tem relação com as suas emoções. A comida torna-se um substituto, ou uma estratégia de escapar dos problemas.[17]
O prazer e satisfação derivados deste comportamento alimentar têm efeito curto e são potencialmente escravizadores. Ao entregar-se à comida quando está temerosa, depressiva, frustrada ou preocupada, a pessoa age de maneira que desagrada a Deus por causa de um pecado que pode dominá-la. A Palavra de Deus, em Gn 4.7, reitera: “Se procederes bem, não é certo que serás aceito? Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo.”.
A respeito do domínio exercido pelo pecado, Welch[18] reitera que todo pecado que cometemos nos ensina a acreditar em mentiras, e um vício é um hábito escravizador. Em João 8:34, Jesus afirma: “Em verdade, em verdade vos digo: todo o que comete pecado é escravo do pecado.”.
O hábito escravizador leva o escravizado a se sentir como se tivesse caído em uma armadilha e estivesse fora de controle, sem esperança de libertação. A questão primordial aqui é que o pecado se parece com uma doença. A diferença reside no fato de que a escravidão do pecado é algo pelo qual somos responsáveis, e é exatamente por isso que há esperança, pois Deus pode nos capacitar para conseguirmos abandoná-lo. [19]
O vício é uma escravidão a uma substância, comportamento ou pensamento que controla e torna-se o centro da vida da pessoa, de tal maneira que até as piores consequências não são capazes de trazer o escravizado ao arrependimento. E todo esse ciclo começa pelo nosso desejo, quando esse se pronuncia e damos ouvidos e, daí surge a necessidade de pedir ao Senhor o domínio próprio, e desenvolver a habilidade de autocontrole.
6 COMBATENDO A GLUTONARIA BIBLICAMENTE
Considerando todas as pontuações feitas até aqui sobre a glutonaria e seus desdobramentos, é importante ponderar que, se o reino de Deus é um reino de piedade, retidão e autocontrole, aqueles que satisfazem a carne serão excluídos dele. Faz-se necessário escolher ativamente servir a Deus a cada dia e minuto, e deixar de lado o pecado de estimação. Ele não é menos sério ou menos pecado por ser comum. E o Aconselhamento Bíblico é uma ferramenta poderosa para ajudar o cristão a reorientar o foco da sua adoração.
A glutonaria se tornou um pecado intocável, o qual muitos sofrem e não percebem, o qual pastores e conselheiros não conseguem reconhecer ou mesmo confrontar biblicamente. Um pecado que não é repreendido, que se tornou aceitável e pelo qual já temos afeição e graça. As práticas festivas da comunidade cristã se tornaram regadas a muita comida e bebida, como a dos pagãos em suas festas indecentes. Estamos com as igrejas cheias de compulsivos alimentares sem disciplina, homens e mulheres escravos da gula e que amam o seu senhorio.
É dificil abandonar um hábito, mas é imprescindível entender o que significa ter domínio próprio na alimentação, pois esse vai além da quantidade e do tipo de comida que se coloca no prato. O conselheiro bíblico pode auxiliar o seu aconselhando na descoberta da existência ou não do domínio próprio, avaliando: se a escolha do alimento prejudicial à saúde, se é desperdício de dinheiro, se você pode comer com gratidão, se está sendo um bom exemplo para os outros, se o alimento é necessário para o cuidado com o corpo, ou seja, se aquela maneira de comer glorifica a Deus. [20]
Um exercício fácil e prático para fazer depois de comer de forma excessiva é examinar os seus pensamentos e motivações, avaliar se eles foram agradáveis a Deus, se expressam adoração a Ele ou a um ídolo. Ao final desta análise, se o resultado for o peso na consciência pelo excesso, o arrependimento deve ser a postura correta do crente. E, arrepender-se requer mais do que uma boa desculpa ou o desconforto pela comilança, requer mudança no sentido de reconhecer a glutonaria como ela realmente é diante de Deus: um pecado.
A Bíblia convida o cristão a ser puro e perfeito, como é possível observar em Mt 5:48: “Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste”. Confessar e arrepender-se do pecado são passos necessários para uma mudança completa nos hábitos, e a própria Palavra de Deus traz respostas e princípios que o crente deve ter em mente para conseguir realizar uma transformação na forma de pensar a sua relação com a comida, por isso gastaremos tempo nisso a partir de agora.
O ato de comer tem como fim prover força para servir e honrar a Deus, e não atender aos meus desejos, conforme vemos em I Co 10,31: “Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus.”; e em Co 3,17: “E tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai”.[21]
O amor por Deus e cuidado pelos irmãos devem ser demonstrados também na alimentação, e não o apreço pelos apetites egoístas e danosos que governam o coração humano, como é possível obervar em Rm 14:20-21:
Não destruas a obra de Deus por causa da comida. Todas as coisas, na verdade, são limpas, mas é mau para o homem o comer com escândalo. É bom não comer carne, nem beber vinho, nem fazer qualquer outra coisa com que teu irmão venha a tropeçar [ou se ofender ou se enfraquecer].
A obediência a Deus oriunda de um coração arrependido deve prevalecer sobre os hábitos alimentares, e não apenas o desejo pelo autocontrole, como revela Pv 23. 1-3: “Quando te assentares a comer com um governador, atenta bem para aquele que está diante de ti; mete uma faca à tua garganta se és homem glutão. Não cobices os seus delicados manjares, porque são comidas enganadoras”.
O ato de comer não deve estar atrelado somente a atender ao desejo humano, mas a se sujeitar ao serviço de Deus, como o apóstolo Pedro exorta em sua primeira carta no capítulo 4 e versículos de 1 a 3:
Ora, tendo Cristo sofrido na carne, armai-vos também vós do mesmo pensamento; pois aquele que sofreu na carne deixou o pecado, para que, no tempo que vos resta na carne, já não vivais de acordo com as paixões dos homens, mas segundo a vontade de Deus. Porque basta o tempo decorrido para terdes executado a vontade dos gentios, tendo andado em dissoluções, concupiscências, borracheiras, orgias, bebedices e em detestáveis idolatrias.
Deus provê a comida de forma graciosa, pois tudo o que Ele nos fornece é bom. A comida não é nossa inimiga. Observe o que considera Paulo a Timóteo, em I Tm 4. 3-4:
[…] e exigem abstinência de alimentos que Deus criou para serem recebidos, com ações de graças, pelos fiéis e por quantos conhecem plenamente a verdade; pois tudo que Deus criou é bom, e, recebido, com ações de graças, nada é recusável.
E, finalmente, o cristão, ao invés de ter o pensamento voltado para a satisfação momentânea, o prazer de curta duração de bem-estar que o alimento pode proporcionar, deve ter o entendimento voltado para uma perspectiva eterna, conforme evidencia Co 3. 2-4:
Pensai nas coisas lá do alto, não nas que são aqui da terra; porque morrestes, e a vossa vida está oculta juntamente em Cristo, em Deus. Quando Cristo, que é a noosa vida, se manifestar, então, vós também sereis manifestados com ele, em glória.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo dedicou-se a sobrelevar o pecado da glutonaria, apresentar o conceito bíblico e as aplicações científicas do termo, sua relação com as emoções e maneiras de enfrentá-lo biblicamente.
Você permite que a comida controle as suas emoções? Que essa reflexão seja feita, pois ela retrata as atitudes e inclinações do seu coração. O problema não está na comida, mas no coração exigente, que insiste em cobiçar e buscar ter atendidos todos os seus desejos. Devemos almejar colocar todos os aspectos de nossa vida debaixo do senhorio de Cristo, dispor os nossos hábitos alimentares de forma a agradar e honrar a Deus.
Pode parecer bobagem ou coisa sem importância falar sobre algo tão corriqueiro, como a nossa relação com a comida. Mas talvez seja justamente por isso que a falta de controle na hora de se alimentar, ou o simples prazer de comer mais um pedacinho (mesmo que já tenha comido o suficiente) não transpareça o perigo que o pecado da glutonaria representa. Por isso, considero importante discorrer sobre o sentido de um trecho da carta XVII exposta por C. S. Lewis, em seu livro ‘Cartas de um Demônio a seu Aprendiz’, que diz:
Meu querido Vermelindo,
A forma desdenhosa com a qual você falou, na sua última carta, da gula como meio para capturar almas só demonstra sua completa ignorância. Um dos grandes feitos dos últimos cem anos foi mortificar a consciência humana quanto a isso [o pecado da glutonaria], de modo que agora você dificilmente vai encontrar, de norte a sul, leste a oeste da Europa um único sermão ou uma consciência atormentada com esse assunto[22].
Ao utilizar da literatura cristã no tocante a esse tema, a intenção é alertar o leitor para o quanto é verdadeiro o desenrolar deste diálogo exposto. Muitos cristãos parecem estar adormecidos com relação à glutonaria, e talvez agora tenha causado espanto perceber que você nunca assistiu a um único sermão sobre isto.
A armadilha do pecado da glutonaria precisa ser percebida como tal, e é por isso que precisamos falar sobre ele, nos sermões e escolas bíblicas. É indispensável que esse “pecadinho de estimação” seja encarado com seriedade, que cause náuseas, espanto e tristeza a todos os cristãos – desde a criancinha ao mais idoso, da ovelha ao pastor da igreja. E que seja seguido por arrependimento genuíno e mudança de vida.
EAT, EAT FOR THE GLORY OF GOD: unveiling the sin of Gluttony
This article explains about the sin of gluttony, presenting its concept and emphasizing the semantic delimitation of the term for excessive consumption of food. It presents the relationship between gluttony and the emotions and idolatry of the human heart. In addition to emphasizing the dangers of binge eating for the Christian’s physical and spiritual health. The present production seeks assistance in the theoretical production of some authors who deal with biblical counseling, especially Elyse Fitzpatrick, and intends to propose the importance of glorifying God and honoring him through eating habits.
Keywords: Gluttony. Eating habits. Idolatry. Binge eating. Biblical counseling.
REFERÊNCIAS
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[1] Psicóloga formada pela Faculdade Integral Diferencial (FacidDeVry), Pós-Graduanda em Aconselhamento Bíblico pelo Seminário Cristão Evangélico do Norte (SCEN), Membra Diretora do Departamento Nacional de Adolescentes da AICEB e Membra da Igreja Cristã Evangélica de São Raimundo Nonato-PI. Email: valeriacastropsi@gmail.com
[2] FITZPATRICK, E. Mulheres aconselhando mulheres: respostas bíblicas para os difíceis problemas da vida. [tradução Meire Portes Santos]. São Paulo: Nutra Publicações, 2018b. 427 p.
[3] STOTT, John R. W. A mensagem de Gálatas: somente um caminho. São Paulo: ABU Editora, 2007. 171 p.
[4] LOUW, J. P.; NIDA, E. A. (editores). Léxico Grego-Português do Novo Testamento baseado em domínios semânticos/ [Tradução: Vilson Scholz]. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2013, p. 687.
[5] GUTHRIE, Donald. Gálatas – Introdução e comentário. São Paulo: Editora Vida Nova, 2011. 208 p, p. 177.
[6] COENEN, L.; BROWN, C. (Orgs.). Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. [Tradução: Gordon Chown]. São Paulo: Vida Nova, 2000. 2 ed.
[7] FITZPATRICK, E. In POWLISON, David (Org.). Coletâneas de Aconselhamento Bíblico. Volume 2. Christian Counseling and & Education Foundation, 2000.
[8] FITZPATRICK, Elyse. Ídolos do coração: aprendendo a desejar apenas a Deus. São Paulo: Associação Brasileira de Conselheiros Bíblicos, 2012, p. 25
[9] GUINNESS, OS. Sete pecados capitais: Navegando através do caos em uma era de confusão moral. São Paulo: Editora Vida Nova, 2006, 328 p.
[10] FITZPATRICK, E. Amo comer! Odeio comer! Rompendo com a escravidão dos hábitos alimentares destrutivos. Eusébio, CE: Editora Peregrino, 2018a. 260 p, p. 83.
[11] FITZPATRICK, E. Amo comer! Odeio comer! Rompendo com a escravidão dos hábitos alimentares destrutivos. Eusébio, CE: Editora Peregrino, 2018a. 260 p, p. 83.
[12]Catecismo Maior de Westminster, s/d., s/p. Disponível em: <http://www.monergismo.com/textos/catecismos/catecismomaior_westminster.htm>. Acesso em 03 de agosto de 2020.
[13] Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica : diabetes mellitus / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. – Brasília : Ministério da Saúde, 2013. 160 p. : il. (Cadernos de Atenção Básica, n. 36).
[14]FITZPATRICK, E. Mulheres aconselhando mulheres: respostas bíblicas para os difíceis problemas da vida. [tradução Meire Portes Santos]. São Paulo: Nutra Publicações, 2018b. 427 p., p. 83.
[15] Ibid.
[16] FITZPATRICK, E. Amo comer! Odeio comer! Rompendo com a escravidão dos hábitos alimentares destrutivos. Eusébio, CE: Editora Peregrino, 2018a. 260 p, p. 186.
[17] FITZPATRICK, E. Amo comer! Odeio comer! Rompendo com a escravidão dos hábitos alimentares destrutivos. Eusébio, CE: Editora Peregrino, 2018a. 260 p.
[18] WELCH, E. T. Hábitos escravizadores: encontrando esperança no poder do Evangelho. São Paulo: Nutra Publicações, 2 ed., 2015.
[19] Ibid.
[20] ALFANO, M. C. Comer ou não comer!¿ : Liberdade para fazer escolhas no temor a Deus. São Paulo: Nutra Publicações, 2010. 1 ed.
[21] STREET, J. D; STREET, J. Aconselhamento para mulheres: um guia bíblico e prático. [Tradução: Karina Lugli de Oliveira]. São Paulo: Nutra Publicações, 2018, 1 ed. 375 p.
[22] LEWIS, C. S. Cartas de um diabo a seu aprendiz. 1 ed. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017, p. 94.
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