Há atualmente um movimento que rejeita o ensino preocupado com a integridade da Palavra de Deus em seus mínimos detalhes. O estudo criterioso das Escrituras para muitas pessoas não pode ser conclusivo e precisa de uma visão baseada em conceitos e costumes pessoais. Apesar de um recente crescimento na busca por cursos para o estudo bíblico no meio evangélico, de forma geral, ainda vemos o reflexo da falta de aprofundamento e busca pela palavra de Deus em sua essência. Essa tendencia é, na verdade, algo que Cristo enfrentou em seu próprio ministério. O texto em questão está inserido no episódio da rejeição de Jesus após um milagre de cura que resultou em revolta por parte dos judeus (Jo 5.1-47). Nesse momento Cristo explana sobre sua missão para os que conheciam o Antigo Testamento e alerta-os sobre o exame que faziam da “Bíblia da época”. Ironicamente, quem advertia os judeus sobre um perigoso lapso nos estudos das Escrituras é justamente a mensagem central delas: Jesus Cristo.
“Examinai” as Escrituras
O termo em seu sentido original significa “pesquisar” ou “examinar”, pode trazer também uma ideia de “investigação” e, nesse caso, indica uma ação ou prática contínua (Jo 5.39). Observamos aqui um alerta do próprio Cristo aos judeus, que apesar de examinarem continuamente as Escrituras Sagradas, não estavam crendo em sua mensagem cumprida. Um agravante que podemos destacar aqui é o conhecimento que os judeus tinham do Tanakh[1] ou Bíblia hebraica (hoje o Antigo Testamento). Além de uma coletânea de escritos sobre tradições baseadas na Lei chamada de Talmude[2]. (Jo 5.10) Esses escritos rabínicos traziam regras detalhadas até sobre o transporte de móveis no sábado, embora um paciente pudesse ser carregado em uma maca, a própria maca não podia ser carregada[3]. O Talmude é considerado sagrado no judaísmo e contribuiu fortemente como âmago para uma interpretação sobreposta ou equivalente às próprias Escrituras bíblicas da época. Partindo dessas noções, observamos que Jesus foi perseguido com intenções de morte apenas por afirmar-se e de fato ser quem as Escrituras em sua essência revelavam. Isso mostra um enorme envolvimento pessoal de homens que construíram e amavam seus próprios conceitos sobre Deus (Jo 5.18).
Porque julgais ter nelas a vida eterna
Os judeus acreditavam que a vida eterna lhes era revelada nas Escrituras[4], por isso arrogavam essa vida “exclusivamente” para si, simplesmente por serem um povo escolhido por Deus em uma aliança específica. Dentro de uma ideologia étnica-religiosa de arrogância e exclusivismo natural do judaísmo, Jesus mostra que o motivo de tanto orgulho para eles estava sendo rejeitado (Jo 5.40).
E são elas mesmas que testificam de mim
A premissa aqui é a contradição em que os judeus caíram, apesar de examinarem, conhecerem e terem as Escrituras como fonte de vida eterna, eles rejeitaram o seu conteúdo central, personificado e revelado. Em todo seu ministério Jesus sempre fez questão de destacar-se como substância essencial e central das Escrituras (Lc 24.44, Jo 5.32, 33, 46) e para testificar sua autoridade, poder, capacidade e suficiência salvadora, realizou milagres (Jo.5.1,19-21). Mas os judeus em sua maioria já haviam levantado uma muralha em volta de suas tradições e concepções sobre Deus e sua Palavra. Precisamos enfatizar que muitos outros judeus conhecedores das Escrituras e até do Talmude, capturaram a mensagem central do Antigo Testamento e reconheceram Jesus Cristo como o Messias prometido (Jo 1.45, Jo 3.1). Infelizmente, a despeito de tantas evidências e por falta de um exame submisso à própria Bíblia, ainda há questionamentos sobre a Divindade e caráter messiânico de Cristo, assim como existem muitos que promovem sua própria glória[5] e seus próprios conceitos num estudo e pregação intencionalmente pessoal e infiel à Palavra.
O fato de Deus ter se revelado a nós por sua Palavra, não nos dá o direito de fazermos o que quisermos dela. A Bíblia tem uma mensagem que independe de nossa opinião, costumes, conceitos e pensamentos e é nosso dever estudá-la criteriosamente e na dependência do Espírito chegar a essa mensagem. Ainda hoje muitos homens que examinam e pregam a palavra de forma assertiva e criteriosa são tachados de arrogantes e pretensiosos simplesmente por se submeterem às Escrituras e proclamarem a verdade revelada como ela é.
A rejeição de Cristo, sua obra e sua palavra na íntegra é também o repúdio às Escrituras e à própria vida eterna. Ironicamente muitos que dizem viver pela Palavra a rejeitam em sua essência quando priorizam a si mesmos em suas ideias.
Precisamos cada vez mais zelar por um estudo criterioso e busca do conhecimento de Deus, colocando os nossos pensamentos e ideias submissos às Escrituras Sagradas e deixando que Elas nos conduzam à verdade e à vida que é Jesus Cristo.
[1] O Tanakh é um conjunto de textos canônicos dos judeus que deu origem ao Antigo Testamento como conhecemos hoje.
[2] O Talmude é uma coletânea de textos baseados nos escritos do AT que são considerados sagrados no judaísmo e trazem discussões rabínicas sobre à lei, costumes, ética, e história do judaísmo.
[3] BRUCE, F. F. Comentário Bíblico NVI: Antigo e Novo Testamentos. São Paulo: Vida, 1979
[4] HENRY, Matthew. Comentário Bíblico de Matthew Henry. Rio de Janeiro: CPAD, 2002
[5] Ibidem, 2002.
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