Depois de falar da condição anterior do homem e de sua salvação pela graça, Paulo conclui esta unidade literária de um modo magnifico ao apresentar a real condição do homem que foi escolhido por Deus, alguém a que o apóstolo chama de um poema, uma obra prima feita por ele. A palavra encontrada na língua original “poiema” traduzida em nossa versões como “feitura, criação, obra-prima, acabamento,” é a tradução literal da palavra poema, aquele mesmo de quem falam os poetas que costumam retratar a beleza através de palavras bem elaboradas.
O apóstolo Paulo resume a razão da criação do homem e da vida a um propósito eterno onde Deus fez seus filhos com o mais elevado sentido para uma criatura, fruto da mais profunda e perfeita inspiração divina e do maior sentimento que envolve o criador, o amor por estes filhos. O homem não se autocriou, não produziu sua própria vida, foi feito por Deus, foi salvo por Cristo e foi santificado pelo Espírito Santo, isto o torna uma obra-prima do Criador, ele é a arte mais refinada do todo poderoso, não há nenhuma criatura semelhante a ele na face da terra.
É salutar dizer ainda que esta obra-prima continua sendo refinada, ao final de tudo haverá um corpo de glória e o homem terá a imagem e semelhança do rei da glória plenamente restaurada, não haverá pecado, nem mácula, apenas a perfeição e a adoração eterna. Todos os que Deus escolheu para si foram predestinados a ser a imagem de seu Filho (Rm 8.29), para isso ele continua formando o caráter de Cristo em seus filhos pelo poder do Espírito Santo em suas vidas (2 Co 3.18) usando como ferramenta a Bíblia, ela é o cinzel com o qual ele esculpe o homem, para que, a exemplo de um escultura, este fique semelhante ao original, Jesus Cristo.
É certo que o homem foi destroçado pelo pecado, mas todavia, a poesia ainda existe, ela não foi aniquilada de uma vez por todas, certamente por baixo de cada pedra bruta, a essência da divindade insiste em manifestar-se, mesmo que muitas vezes não se perceba, mas como um artista, Deus tem transformado o homem bruto em uma obra de rara beleza. Se antes a condição natural dos homens era a morte espiritual e a consequente sepultura eterna, aos que Deus amou ele trabalha incessantemente através de sua Palavra e do Espírito Santo para que o antigo poema latente em cada um volte a ter vida, porquanto este poema é melhor declamado através do testemunho de cada servo do altíssimo.
O ser imagem e semelhança de Deus ainda pulsa em cada pecador mesmo com toda intensidade do pecado, por isso, a nós que foi dada a graça de sermos lapidados por Deus, permitamos ser cuidados pelo seu favor imerecido, que apraz em nos tornar cada vez mais uma expressão de seu poema. Ao longo de toda a história Deus lapidou homens para a sua glória, foi assim com o velho Abraão, com o abastado Moisés, com o grosseiro Pedro, com a humilde Maria, com a pervertida Madalena e é assim com seus filhos hoje.
Os antigos escritores da Bíblia eram testemunhas ativas da ação de Deus no mundo, eles foram os primeiros conhecedores da expressão “criou Deus”, termo usado exclusivamente para a obra de Deus. Esse entendimento de que tudo é criação divina, perpassou para o homem como um todo como coroa dessa criação, de modo que saber que foi criado por Deus, significa acalentar-se em uma verdade absoluta. Mas, não somente o homem foi criado por Deus e não foi apenas salvo pela graça, mas foi feito também para fazer as boas obras que Deus lhe designou, o homem jamais poderia ser salvo por obras, mas foi salvo por um ato de fé que redunda em boas obras.
A salvação é monergística, ou seja, apenas uma força age, a força de Deus, mas o resultado da salvação são as boas obras que o homem realiza, obras que não levam ninguém para o céu mas que serão apresentadas no céu, de modo que embora não sejam a causa da salvação, resultam dela (Ap 14.13). A evidência da salvação está nas obras, se a justificação pela fé é um mistério só conhecido plenamente por Deus, as obras da justificação se referem ao testemunho de todos os salvos que militam pelo evangelho realizando as obras que Deus preparou para eles neste mundo.
Se antes os eleitos realizavam toda sorte de delitos e pecados (1,2) após a salvação realizam as boas obras que Deus preparou de antemão, mostrando assim o contraste que há entre os dois estilos de vida e entre os dois senhores, o senhor da morte e da perdição e o Senhor soberano, eterno e perfeito. Essas boas obras revelam exatamente quem são os dois senhores a quem se pode servir, pois elas são realizadas para louvar a Deus e sua plenitude, enquanto as obras da carne servem para exaltar o pecado e seu senhor, Satanás que se alimenta de tudo de ruim que há no mundo.
Realizar as boas obras é fazer o que Deus preparou de antemão para seus filhos, não é fazer a própria vontade, mas cumprir os desígnios de Deus como uma pessoa salva e eleita eternamente para a glória de Deus, ou seja, é andar segundo o que Ele planejou para os que ele ama, a fim de que por essas obras outras pessoas também testemunhem da verdade de Deus.
Os salvos devem entender que a vida é resultado de uma ação divina e que o desígnio de suas vidas tem origem numa ordem criada na eternidade que determinou todos os seus dias e lhes direcionou para as obras mais nobres, razão pela qual devem creditar a Deus e não a si mesmos cada conquista e cada obra realizada. Por isso os salvos precisam aprender a andar segundo a vontade de Deus, pois são a manifestação do seu poema ecoando ainda hoje, porquanto, por mais que venham a errar em alguns atos o sustento divino permanece fazendo-os continuar a caminhada, sempre lembrando que são uma nova obra, uma nova criatura, pois as coisas velhas já passaram.
O homem salvo ainda é uma obra ainda incompleta, mas que será completada definitivamente no dia de Cristo Jesus, porém já hoje ele é apresentado como uma expressão da inspiração divina, um poema ainda não completado, uma pedra em processo de lapidação, que ainda falta um pouco mais, mas que não vai ficar por terminar. O bom Deus assiste seus filhos em todos os momentos quando ao longo do caminho buscam a presença do Senhor, estes podem ter a certeza de que ele está ao seu lado, guiando em meio a escuridão, sabendo que mesmo que não saibam orar como convém, mesmo que clamem da forma errada, o seu Santo Espírito intercede em sua fraqueza capacitando-os a fazer o que é certo e a realizar sua boa obra.
Somos um poema de Deus que ecoa na salvação, criados para cumprir todos os propósitos divinos entre os homens, revelados de forma muito especial na pessoa de Jesus. Foi para vivermos a grandeza da vida eterna ainda aqui, que Deus dispensou seu cuidado em nosso favor, por isso somos livres para fazer toda boa obra em Cristo. Deus fez uma obra magnífica em nós, somos o seu melhor poema e isto deve nos impelir a sermos cada dia mais a imagem de seu filho, sermos verdadeiros sacerdotes e pilares da presença de Deus nesta terra, de modo que tudo que fizermos deve se desdobrar numa manifestação da inspiração divina em nossas vidas.
Diante de tal fato, mesmo que às vezes fiquemos sem saber direito o que dizer ou como fazer, devemos sempre lembrar que estamos continuamente diante do Senhor, ora tranquilos, ora apavorados, mas certos de que mesmo diante da nossa dúvida e do medo, Ele está conosco, pois somos a imagem e semelhança dele neste mundo. Temos uma obra a realizar, todo cristão tem algo a fazer, ninguém pode dizer que não tem nada por realizar, aos seus eleitos Deus preparou obras de antemão, elas estão aí nos chamando todos os dias, vão desde o compromisso com o culto, a contribuição com a igreja, até o bom testemunho entre família, vizinhos e amigos.
Porém, a obra a ser realizada não é qualquer obra, por isso não deve ser realizada de qualquer jeito, é a obra que desde a eternidade Deus destinou para nós, algo sublime, útil, relevante, que testemunha de Deus e enobrece os homens, uma obra que só pode ser feita por aqueles que tem intimidade com quem as preparou, ou seja, se trata de algo entre nós e Deus. Diante disso tudo só nos resta, concordar com o apóstolo Paulo, somos realmente um poema de Deus, senão ele não estaria tão aqui, tão junto, tão presente, nos fazendo crer no invisível, no eterno, no real, no Cristo que nos salvou.
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